quarta-feira, 13 de julho de 2011

A bela loira do ônibus W3 Sul

                                         
     O texto que escrevo hoje, quarta-feira, 13 de julho de 2011, é sobre um assunto assustador para meu baú de inquietações. Como todos sabem, eu tenho duas filhas, a Naná de quinze anos e a caçula Mel, de apenas seis anos de idade. E justamente a minha caçulinha é uma das razões desse texto. Dias desses, eu estava assistindo a TV junto com a Melzinha e de repente, fui tomado por uma gostosa emoção, a minha caçulinha já estava lendo as legendas na TV. Um momento mágico para um pai babão como eu.  
            Ela já estava conseguindo juntar as letras, formar as silabas e descobrir as palavras! Dizia-me que agora tudo estava mais fácil, ela entendia melhor as coisas, e chegou a citar a seguinte frase, “Pai, parece que agora eu tô vendo direito” naturalmente vocês devem estar se perguntando o que há de tão assustador nesse acontecimento? Entendam que esse acontecimento me fez voltar no tempo, aproximadamente uns cinco anos atrás, quando outro fato me deixou fortemente emocionado, porém com uma carga muito negativa.
            Certa vez eu esperava o ônibus para W3 Sul, ali no centro da Cinelândia. Enquanto o ônibus não passava, como sempre, aproveitei para observar o meu cotidiano e quem sabe assim, encontrava inspiração para meus poemas e minhas canções. Naquele perder de olhar, avistei uma linda mulher, loira, olhos levemente castanhos, aparentando trinta a trinta e três anos, corpo muito torneado, bem vestida e com um sorriso que era capaz de fazer o tempo parar naquele momento.
            Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali perdido, admirando aquela, que, acredito eu, era a imagem feminina mais bonita que eu já tinha visto. Só despertei quando já estava quase perdendo o ônibus. Para minha surpresa, ela também entrou no W3 Sul, iniciou uma conversa com uma passageira, enquanto eu passava a roleta, dei mais uma olhada para trás, só para vê-la mais uma vez, foi ai que presenciei uma cena muito forte.
            A bela mulher questionou ao cobrador se aquele ônibus passava no SIG (Setor de Indústrias Gráficas)? O cobrador apesar de também ter admirado tamanha beleza, perdeu a compostura e a respondeu grosseiramente, “Você não está vendo a placa bem grande ali na frente do ônibus não, escrito SIG?” A bela mulher se desculpou por ter feito a pergunta dizendo, “desculpe Sr, eu cheguei do interior de Minas Gerais a menos de uma semana e não conheço nada aqui, além disso, também não sei ler”
           Naquele momento, toda a imagem de mulher linda e sensual que povoava meus pensamentos, deu lugar a uma tristeza profunda, um sentimento de revolta e uma compaixão que já não importava mais, se aquela mulher era linda ou menos favorecida pela beleza, agora o que importava era tentar aceitar que em pleno século XXI, ainda existia a peste do analfabetismo. Logo num país que o presidente veio do povo, falando como povo?  Como aceitar que o nosso governo não se importava com isso!
          Voltando ao caso no ônibus, tomei a frente e disse a ela, agora, pobre mulher, que eu a informaria assim que o ônibus passasse pelo SIG, naquele momento eu era, os olhos dela. Aqueles mesmos olhos, levemente castanhos, mas que viam um mundo nublado e sem cor. Quando passamos pelo SIG, ela desceu e me agradeceu com um lindo sorriso, sorriso recheado de gratidão e doçura. Tanto o fato com minha filha como o da bela mulher, tratava-se da mesma essência, mesmo assim, relutei em escrever sobre esse assunto.
          Acontece que ontem, terça-feira, 12 de julho de 2011, assistindo a uma cena da novela Cordel Encantado, fui arrebatado mais uma vez por semelhante situação, a cena em questão envolvia, o delegado Batoré, interpretado pelo brilhante Osmar Prado e sua noiva Antonia, vivida pela atriz Luiza Valdetaro. Batoré a preseteia com um livro contendo os principais sonetos de Shakespeare, a jovem Antonia fica totalmente sem graça e para piorar a situação, seu noivo lhe pede que ela leia alguma coisa para alegrar a irmã dele, Neusa (Heloisa Perrissé) que também se encontrava na sala naquele momento.
         Foi ai que a emoção tomou conta de todos que estavam em cena, para espanto do noivo e de sua cunhada Neusa. Antonia revelou que não sabia ler nem escrever. Como pode a filha do homem mais poderoso da cidade não saber ler nem escrever? E por que ela dizia que amava Shakespeare, sabia todos os seus sonetos e peças e pediu-lhe até um livro de presente? Bom a cena se desenrolou, o capitulo acabou, mas a minha emoção não me deixou dormi, não sem que eu a prometesse escrever sobre esse assunto.
        Como pode meu Deus? Como pode? O mesmo sentimento infeliz,  no olhar da personagem Antonia e na bela loira do ônibus W3 Sul? Um sentimento de diminuição, de exclusão total da vida, falta de vida! Seria egoísmo meu, me sentir aliviado, só pelo fato de minha caçulinha Mel, já saber ler e escrever? Meu amigo Rafa solicitou-me um tema que falasse da educação no Brasil e em Brasília. Acredito que desta forma, você que ler agora e consegue enxergar o mundo, esteja refletindo sobre tudo isso.
       Aquela bela mulher, com certeza trocaria suas curvas torneadas pela alegria de saber contornar as paginas de um simples caderno, pela alegria de saber decifrar as placas de ônibus de alguma sigla dessas aqui do DF.  A triste Antonia trocaria toda riqueza que ela possui em Brogodó, cidade fictícia de Cordel Encantado, pelo prazer de ser apresentada pessoalmente a Shakespeare. Quanto a minha caçulinha Mel, eu peço a Deus que ela possa enxergar mais e mais e que possa, aprendendo, entender o mundo e suas adversidades.

2 comentários:

Anônimo disse...

André,
Assim como a sua filha Mel, a minha filha Luiza também se encontra neste momento da descoberta, da aprendizagem, da formação de palavras, de frases.. é lindo, gratificante vê-las aprendendo. Infelizmente, ainda existe no Brasil muitos analfabetos, porém o que me preocupa mais são os analfabetos funcionais(aqueles que sabem ler mas não conseguem entender, interpretar o que lê). Eu, sinceramente, prefiro não externar minha opinião sobre o governo anterior e atual, mas espero que um dia parem de divulgar estatísticas falsas e invistam, de fato, na educação.
É impressionante ver que o passado e o presente se encontram na história da personagem, Antônia de "Cordel Encantado", uma moça rica, do sertão brasileiro, brejeira e analfabeta...mas naquela época ainda era compreensível ver uma mulher analfabeta, mas hoje em pleno séc. XXI, não dá para entender...é triste!
Abraço querido,
Rita de Cássia

Lilia Tavares disse...

Realmete é muito difícil encarar este problema social. Mas venho aki fazer um comentário que pode nos aliviar um pouco sobre sentimento de indignação. É muito fácil colocar a culpa no governo, mas o meu querido LULA, citado no texto foi o presidente que mais fez pela educação brasileira, as taxas de analfabetismo no brasil caiu durantes os últimos 6 anos, o EJA, educação de jovens e adultos contribui muito pra isso e é programa do ex- presidente e que continua seguido pela atual presidente. Outra face desta moeda é que muito analfabetos hoje não estudam por que não têm ambição de uma vida melhor se contenam com um emprego de catadores por exemplo e não buscam melhorar de vida. Quando eu tinha 6 anos de idade entrei em uma escola mas já sabia ler gibis, escrever meu nome e contar e reconhecer os números até dez. Minha mãe não é professora mas foi minha professora. O pouco que ela sabia me passou e eu aprendi muito. Claro que as condições de vida remetem as pessoas em pensar apenas em sobreviver mais um dia, mas que deseja mudar de vida busca, corre atrás não se esconde no sistema e joga a culpa no governo por ter oportunidades. A MEl já está aprendendo a ler mas os pais da mel a matriculou na escola e participa da vida educacional da pequena, o que faz toda a diferença no seu desenvolvimento. Hoje só fica sem ler e escrever quem quer.
André mais uma vez me envolvi com seu texto. Parabéns pelas filhas maravilhosas. Beijos